“Eu acredito que quando Deus dá um filho assim para o pai e a mãe, está dando na verdade uma oportunidade de aprender todos os dias e melhorar, diz pediatra voluntário do Cotolengo”
Há doze anos como médico pediatra voluntário do Cotolengo Sul-Mato-Grossense, o médico que iremos homenagear hoje, não se deixa revelar. Como assim? É que ele encara o voluntariado como um trabalho que não precisa de nomes ou fotos. Ele simplesmente se dedica à causa. Formado há 47 anos, nosso doutor tem 80 de idade e diz que optou pelo atendimento às crianças com paralisia cerebral depois da morte do seu único filho, Renato, na época com 24 anos. Ele também tinha paralisia cerebral.
“Meu único filho, ele mudou totalmente a minha vida. Tudo o que sou hoje, devo à ele”, relatou o médico de voz mansa. Apesar de aposentado, ele faz questão de manter os atendimentos às segundas, quartas e sextas-feiras na entidade.
“Eu trabalho hoje por amor ao Renato. Vejo um pedacinho dele em casa, história e respeito às mães das crianças com um carinho enorme, como se fossem filhas ou sobrinhas sabe, alguém bem próximo. Porque eu sei da luta delas”, afirmou. Segundo ele, o filho foi, acima de tudo, um grande presente de Deus. “Quem tem um filho assim, faz de tudo por ele”.
O pediatra lembra que tudo mudou em sua vida desde o início. “Quando você entra na faculdade é um, quando sai, é outro e hoje com 80 anos, sou totalmente mudado”, explica. Segundo ele, lidar com as dificuldades da vida torna as pessoas mais humanas e foi o que aconteceu com ele, que se quer tinha espiritualidade antes do Renato. “Era quase nada. Eu acredito que quando Deus dá um filho assim para o pai e a mãe, está dando na verdade uma oportunidade de aprender todos os dias e melhorar”.
Para finalizar, o médico lembra que apesar do bem que faz ao atender as famílias pela entidade, o grande beneficiado é ele. “A alegria de ser útil é imensurável”.
In Memorian
No ano passado, além da própria família, o Cotolengo Sul-Mato-Grossense e muitas outras famílias perderam outro pediatra tão querido quanto nosso doutor oculto. Doutor Virgílio Gonçalves Souza Júnior, 52 anos, enxergava a pediatria como um verdadeiro sacerdócio. Ele faleceu vítima de Covid-19, deixando para trás uma imensidão de saudades.
Em contato com a assessoria do Cotolengo Sul-Mato-Grossense, o arquiteto Gabriel Bahia, 27 anos, filho mais velho do médico e irmão de Victor Bahia, 22 anos, deixou seu relato.
“Meu pai era uma pessoa muito querida por todos, seus familiares, seus amigos, colegas de trabalho, pelos seus pacientes. E uma das coisas que eu mais admirava no meu pai era a inteligência, todo mundo pedia conselhos pra ele antes de qualquer tomada de decisão importante da vida. Sabia de muitas coisas, era muito estudioso e acordava todos os dias, às quatro da manhã para estudar pediatria , para ser o melhor no que ele fazia. E esse compromisso que ele tinha consigo mesmo desde o início da carreira dele de se tornar um profissional melhor, uma pessoa melhor, acaba refletindo no legado que ele nos deixou. No que deixou para a sociedade e principalmente para as pessoas que o admiravam”.
Homenagem
Quem também prestou sua homenagem ao médico, foi sua irmã, Lívia:
“Para nossa família o Virgílio sempre foi chamado de ‘Junior’, forma um tanto quanto contraditória devido ao seu “tamanho”. Gigante não só no tamanho, mas inclusive em seus feitos e assim sempre foi a grande referência para toda a família. Seguindo o seus passos e suas orientações, me tornei enfermeira, pois foi ele quem despertou em mim a vontade de seguir na área da saúde. Virgílio sempre pegou na minha mão e me conduziu a cada passo, motivando-me a realizar concursos públicos para os quais fui aprovada, inclusive por seus ensinamentos. Além de irmãos, éramos parceiros de trabalho e lutamos bravamente durante a pandemia do Covid-19 na linha de frente da maior UPA de Campo Grande. Em muitos momentos de cansaço excessivo ele sempre me reerguia com suas palavras e dava-me força para não desistir. Para mim, seu maior legado foi o foco no estudo, bem como a ajuda aos mais vulneráveis e pelo Cotolengo investiu grande parte das suas forças para que se tornasse um grande sonho concretizado. Daqui seguimos dando continuidade aos seus grandes ensinamentos pelos nossos e por quem mais necessita. Somos imensamente gratos pelos presentes que Virgílio nos deixou, que são a sua esposa, Eliane, e seus filhos Gabriel e Victor”.
Voluntariado
O diretor-presidente do Cotolengo, padre Valdeci Marcolino, lembra que o trabalho voluntário é fundamental para ajudar a manter a entidade e ressalta a dedicação dos médicos como ponto alto de toda a obra.
“Entendemos que alguns, inclusive, não queiram se revelar, apostando no voluntariado como uma missão que não precisa ser divulgada. É compreensível. Mas também gostaríamos de dizer que a passagem do doutor Virgílio por nossa casa nos emociona e deixa muitas saudades, por conta de um trabalho que era desempenhado com tanto amor e dedicação”.