Uma mulher negra de 46 anos, identificada como Madalena Gordiano, foi resgatada por auditores fiscais do trabalho em Patos de Minas (MG) após viver 38 anos em condições análogas à escravidão. Madalena estava desde a infância, quando tinha apenas 8 anos de idade, reclusa em casas de uma mesma família na cidade. A história foi contada pelo “Fantástico”, da TV Globo, neste domingo (20).
Madalena foi adotada ilegamente por Maria das Graças Milagres Ribeiro, que trabavalha como professora, quando tinha 8 anos de idade. À época Madalena havia batido à porta de Maria pedindo algo para comer. Como sua mãe biológica já tinha nove filhos e as condições financerias eram ruins, acabou aceitando entregar a filha à professora. No entanto, a adoção nunca foi formalizada.
Pelo contrário, assim que foi adotada foi retirada da escola e passou a servir a professora como empregada doméstica. Ela era impedida de sair do apartamento onde dormia em um quarto menor do que “três metros de comprimentos e dois de largura”, como afirma um dos auditores fiscais que atuaram no resgate, e tinha como principais funções a limpeza do imóvel, sem salário, descanso ou férias.
De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quem submete alguém a condição semelhante à de escravo, dominando a pessoa a ponto de suprimir a sua liberdade e de comprometer a sua dignidade, comete crime que prevê a aplicação de pena de reclusão de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à eventual violência praticada contra a vítima (como lesões corporais, por exemplo).
Há quatro critérios que configuram o crime: quem submete pessoa a trabalhos forçados, jornada exaustiva, condições degradantes de trabalho, restringir a liberdade de locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou seu representante.
Professora “deu” Madalena ao filho
Depois de 24 anos na casa de Maria, Madalena contou que estava sendo rejeitada pelo marido da professora. O homem, segundo ela, era muito agressivo. A solução da família foi dar Madalena a um dos filhos da professora, Dalton Ribeiro.
A rotina, no entanto, não mudou. “Ela acordava às 4h da manhã para poder passar roupas. Ninguém podia ver ela conversando com alguém do prédio, você via que ela ficava com medo quando eles chegavam”, disse ao Fantástico um morador do prédio que não quis ser identificado.
Os auditores fiscais só conseguiram localizar Madalena após a mulher colocar na porta dos apartamentos bilhetes pedindo pequenas ajudas em dinheiro a vizinhos. Ela pedia dinheiro para comprar produtos de higiene.
Em depoimento, Dalton afirmou que foi Madalena quem quis parar de estudar e que não considerava a mulher como empregada, mas sim como parte da família.
Desde que foi resgatada, ela vive em um abrigo para mulheres vítimas de violência e passou a sair sozinha para alguns locais.
Dalton Ribeiro, por outro lado, está sendo investigado pelo MPT por “submeter uma pessoa a condição análoga à escravidão” e por “tráfico de pessoas”. Maria também pode ser responsabilizada, já que crimes do tipo não prescrevem. Eles podem pegar até 20 anos de prisão.
Fim do Ministério do trabalho prejudica fiscalização
Assim que assumiu o governo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) determinou o fim do Ministério do Trabalho. A medida foi recebida com preocupação por advogados, juízes e procuradores, alertando para problemas como a precarização da fiscalização, o maior desequilíbrio na relação de trabalho e o retrocesso de direitos conquistados ao longo de décadas.
Desde 1995, 55 mil pessoas foram resgatadas em situação de escravidão no país, a maioria na zona rural. Ano passado, 14 pessoas foram resgatadas do trabalho escravo doméstico.
À época, a juíza Noemia Porto afirmou ao UOL que a crise econômica não pode justificar cortes nesta área. “Uma coisa é a diminuição da máquina, outra é decidir onde onde se diminui. Reduzir a fiscalização do trabalho escravo, por exemplo, é flertar com a nossa pior condição.”