Os números da desigualdade social no Brasil não permitem a implementação de um projeto de desenvolvimento nacional coletivo, impondo adoção concomitante de diversas medidas de universalização dos direitos básicos do cidadão, fomento à economia nacional, democratização do acesso ao conhecimento e às tecnologias, mediante intervenção do Estado no domínio econômico.
Antes que se assanhem os mais açodados, não há na preocupação com o bem estar coletivo qualquer manifestação implícita do ressuscitado “comunismo”, que somente sobrevive na mente dos assombrados, não raramente pouco dados ao trabalho, improdutivos, rentistas e especuladores. Além dos ignorantes, claro.
A distinção entre as condições de vida dos nacionais é exageradamente acentuada, a ponto de 1% da população concentrar riqueza equivalente àquilo que possuem os seguintes 28,3% dos brasileiros. Nesse ranking negativo, somente o Catar está à nossa frente.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o rendimento médio da metade da população mais rica foi quase 34 vezes maior do que a da metade mais pobre em 2018.
Daí se vê que a diferença para a base da pirâmide social é abissal. Os extremamente pobres têm renda mensal per capita de R$ 81, enquanto os pobres, mas não extremamente, recebem parcos R$ 162 mensais.
Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), também promovida pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o salário médio dos trabalhadores brasileiros está praticamente estagnado desde 2014, enquanto a renda média do 1% mais rico teve aumento real que beira 9%.
O liberalismo, nos termos preconizados recentemente no Brasil, é fruto do delírio de um séquito ou de sua venalidade aos interesses internacionais, o que mais se evidencia no momento de retração da chamada globalização, no qual os países terão que se voltar para dentro de si próprios a fim de se reorganizarem.
Ademais “liberalismo jaboticaba” é infiel à sua própria concepção teórica, na medida que prescinde da atuação estatal apenas naquilo que não beneficia o capital, no mais das vezes meramente especulativo. Muito ao contrário, são os que mais obtém acesso aos recursos públicos, senão vide aqueles obtidos pelo sistema bancário, enquanto milhares de pequenas empresas padecem pela inacessibilidade a qualquer espécie de socorro financeiro eficiente em época de pandemia.
Embora há décadas ventiladas como soluções para todos os problemas da economia nacional, a desoneração da folha de pagamentos e a supressão dos direitos sociais dos trabalhadores, além de comumente chocarem com a vontade do constituinte originário, jamais concorreram para redução dos níveis de desemprego ou para melhora do índice de desenvolvimento humano.
Duas experiências recentes a tanto induzem, as reformas, trabalhista de 2016 e previdenciária de 2019. Essa última uma decisão legislativa mais escandalosamente violou os interesses dos assalariados. Estes, aliás, já os mais sacrificados pela incidência de tributos à vista manifesta regressividade do sistema tributário, daí sua abominável injustiça.
O desprezo com a justiça tributária se escancara à vista da defasagem da tabela do Imposto de Renda, que atingiu 103,87% em 2019, segundo estudo do sindicato dos fiscais da Receita Federal, sacrificando sobremaneira os assalariados.
O site de informações G1 revela que “quanto maior a faixa de renda, maior é a parcela de rendimentos isentos, o que faz com que o topo da pirâmide pague uma alíquota efetiva menor. Faixa mais alta de renda paga, em média, 2% de IR, ao passo que faixas intermediárias pagam até 10,5%.”
Outra manifesta omissão do Estado brasileiro se refere ao dever de ampliar a base do SUS, destinando-lhe mais recursos, investindo no aprimoramento de seus profissionais e desenvolvendo carreiras de Estado compostas por profissionais da saúde. É a única forma de se garantir a saúde da generalidade dos cidadãos, obrigados a recorrer cada dia mais à onerosa, e por isso intangível, alta medicina praticada nos grandes centros.
A série de mazelas impostas à maioria da população repercute gravemente sobre os mais aquinhoados, enquanto estes ainda optam pela manutenção da segregação social induzidas pelos critérios econômicos. Essa opção pode ser medida pela eficiência dos lobbies corporativos que engessam qualquer tentativa de relativização de direitos patrimoniais dos socialmente melhor posicionados, o que explica, por exemplo, o desprezo do legislador pela regulamentação do imposto sobre grandes fortunas constante do artigo 153, VII, da Constituição Federal de 1988, reduzido a letra morta, e a isenção tributária sobre a retirada de dividendos de pessoas jurídicas.
Com o grau de heterogeneidade vicejante em nossa sociedade será impossível qualquer passo consistente adiante e a mitigação dessa circunstância somente resultará de decisões políticas, impostas pela pressão das ruas ou espontaneamente tomadas pelos representantes do povo, o que faz crer que sem a reforma política nada mudará e, enquanto essa não sobrevier, ficaremos sujeitos a lideranças exóticas, midiáticas, incultas, obscurantistas e autoritárias. Noutras palavras, continuaremos sujeitos à batuta inconsequente de muitos novos messias.