Caro leitor, um Rei de Portugal morto em 1578 teria algo a ver as tresloucadas manifestação em pleno século XXI pedindo “intervenção militar” no governo? Tem, sim, alguma ligação.
Nós, brasileiros, herdamos de nossos avós portugueses muitas e muitas coisas boas, como a receptividade a estrangeiros, a religiosidade e o belo idioma. Mas também um traço cultural muito discutível: o “sebastianismo.” O que significa isso?
Bem, em 1578 o Rei de Portugal era Dom Sebastião, solteiro, sem filhos e muito corajoso. Em 04 de agosto daquele ano, na feroz Batalha de Alcácer-quibir, contra um exército muçulmano no Marrocos, os portugueses foram derrotados e o Rei Dom Sebastião… desapareceu.
Como o corpo do Rei não foi encontrado, surgiram lendas de que ele não estaria morto, mas teria sido arrebatado aos céus ou algo assim. A lenda da “volta de Dom Sebastião” surgiu em Portugal, aflorando nos momentos difíceis. A começar na crise dinástica criada pelo fato de não existirem herdeiros diretos, e que levou Portugal a ser dominado pela Espanha.
A partir daí, quando a peste grassava, apareciam líderes messiânicos dizendo que Dom Sebastião iria descer do céu com uma legião de anjos curadores. Os ingleses exploravam Portugal? Dom Sebastião vai surgir do Oceano com um exército invencível para expulsar os ingleses… e por aí vai.
A lenda veio para o Brasil. No episódio de Canudos, em 1893, 300 anos depois da morte do Rei, Antônio Conselheiro anunciava a volta. O caso do Contestado começou com um milagreiro anunciando a breve volta de Dom Sebastião, e acabou em mortandade.
Mas, pior do que movimentos messiânicos que termian em sangue, é o caráter cultural que os brasileiros temos: a crença de que exista um “Salvador da Pátria”, um Dom Sebastião político que vai resolver tudo. Os aventureiros sabem disso, e procuram, sempre que possível, colocar a coroa do Rei encantado em sua própria cabeça.
Jânio, um meteoro político, venceu prometendo limpar o Brasil. Em 1964, multidões foram às ruas pedindo que as Forças Armadas tomassem o poder, o que iria “salvar” o Brasil, em grave crise econômica e institucional. Em 1983, com o governo militar em decadência, só as “diretas já” e a Constituinte salvariam o Brasil. Depois, o povo elegeu o “caçador de marajás”, Fernando Collor, que iria consertar o país numa canetada. Presidentes, governadores, prefeitos e síndicos de condomínios são eleitos, não por seus méritos, mas pela crença dos eleitores de que aquela pessoa é o Dom Sebastião da vez, que vai salvar tudo milagrosamente.
Mas não são só pessoas. Os risíveis movimentos separatistas que ocasionalmente brotam, no Nordeste e no Sul, são visivelmente sebastianistas. Acreditam que, se separaram, o pedaço arrancado do Brasil vai virar um paraíso na Terra.
E chegamos aos desinformados que clamam por “Intervenção Militar Constitucional”. Pessoas, algumas até com certa cultura, pedindo que “os Generais” tomem o poder para resolver as crises nacionais. É um sebastianismo puro, onde o Rei foi substituído por uma difusa e errada imagem das Forças Armadas nacionais. Que não querem, não acreditam e não farão um golpe. Golpe, sim, porque o Art 142 da Constituição, brandido por manifestantes, em nenhuma linha autoriza a ruptura institucional, seja por que motivo for.
Infelizmente, como disse o brilhante jornalista americano J.H. Mencken, “Para todo problema complexo, existe uma solução simples, elegante e completamente errada”.
68 anos de vida mostraram a este modesto escrevinhador que o caminho é esquecer curas políticas milagrosas. E, provavelmente, é cada um de nós ler, informar-se por várias fontes, sair da bolha de só ler e conversar com quem concorda com nossas ideias, mexer-se. Ir nas reuniões de condomínio. Ler sobre o que os vereadores estão tratando. Mandar e-mail para o Deputado Estadual que elegeu. Lembrar do Senador que votou. Comparecer às audiências públicas organizadas em seu município sobre assunto de SEU interesse. Procurar saber e ensinar aos filhos como funcionam as estruturas políticas e administrativas. Não sou um profeta anunciando um novo Dom Sebastião, o Rei Conhecimento. É só experiência de vida. E Esperança, aquela que não morre.
Até a próxima.