Polícia

O papel de Crivella no ‘QG da Propina’, segundo as investigações que levaram à prisão do prefeito do Rio

O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (Republicanos), foi preso na manhã de terça-feira (22/12) em uma ação conjunta entre a Polícia Civil e o Ministério Público do Rio de Janeiro, a apenas nove dias de encerrar seu mandato.

À noite, o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, decidiu em caráter liminar (temporário) que Crivella poderá cumprir prisão domiciliar — entre outros motivos, por fazer parte do grupo de risco para covid-19, argumentou o ministro ao converter a prisão preventiva, como tinha sido decidido durante a manhã.

Com a liminar, o prefeito deve deixar nas próximas horas o presídio de Benfica, mas continuará fora do cargo e precisará usar tornozeleira eletrônica.

Derrotado por Eduardo Paes (DEM) nas eleições municipais realizadas em novembro, Crivella foi apoiado em sua tentativa fracassada de reeleição pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

Com a prisão, Crivella se torna o primeiro prefeito a se juntar a uma longa lista de políticos do Rio de Janeiro presos, que inclui os ex-governadores Moreira Franco, Luiz Fernando Pezão, Anthony Garotinho, Rosinha Garotinho e Sérgio Cabral.

Wilson Witzel, afastado do cargo, é investigado pela Operação Placebo da Polícia Federal, por suspeita de desvios na saúde durante a pandemia.

Crivella foi preso em casa, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, por volta das 6h de terça. Segundo o advogado de defesa Alberto Sampaio, o prefeito foi pego ainda de pijamas em casa, conforme informações do portal G1.

Operação Hades

A ação de terça-feira é um desdobramento da Operação Hades, que foi deflagrada em março e investiga um suposto “Quartel General da Propina” na Prefeitura do Rio de Janeiro.

Além de Crivella, foram presos durante a manhã o empresário Rafael Alves, apontado como operador do esquema; Fernando Moraes, delegado aposentado; Mauro Macedo, ex-tesoureiro da campanha de Crivella; além dos empresários Adenor Gonçalves dos Santos e Cristiano Stockler Campos.

Todos eles foram denunciados pelo Ministério Público pelos crimes de organização criminosa, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e corrupção passiva.

O MP disse que o valor arrecadado pela organização criminosa chega a R$ 50 milhões.

Como funcionava o ‘QG da Propina’, segundo o MP

Conforme o Ministério Público, empresas que tinham interesse em fechar contratos ou tinham dinheiro para receber do município entregavam cheques a Rafael Alves. A partir do pagamento, o empresário facilitaria a assinatura de contratos e pagamento das dívidas.

O MP diz que Crivella liderava a organização criminosa e orquestrou sua operação.

“Relatórios de inteligência financeira, depoimento de colaboradores e de testemunhas revelaram a existência de uma bem estruturada e complexa organização criminosa liderada por Crivella e que atuava na Prefeitura desde 2017”, diz o órgão, em comunicado oficial.

Segundo o MP, o prefeito era assessorado por Rafael Alves, Mauro Macedo e Eduardo Lopes.

“Os três, dentro da ideia de divisão de trabalho orquestrada por Crivella e sob a sua liderança, exerciam a função de aliciadores de empresários para participação em esquemas de corrupção, voltados para a arrecadação de vantagens indevidas mediante promessas de contrapartidas que seriam viabilizadas pelo prefeito.”

Mensagens de celular

Ainda conforme o Ministério Público, mensagens armazenadas nos celulares de Rafael Alves e outros investigados revelaram indícios de fraudes e pagamentos milionários de propina na contratação do grupo Assim Saúde pelo Previ-Rio (Instituto de Previdência e Assistência do Município do Rio de Janeiro).

“Por meio de Christiano Stockler Campos, a organização realizou contato com os executivos do grupo e deixou claro que, sem que se chegasse a um acordo de propina, a Assim teria grandes dificuldades em novas contratações com a Prefeitura do Rio de Janeiro”, informa o MP.

O então presidente do conselho de administração do grupo, Aziz Chidid Neto, teria sido convidado pelo delegado aposentado José Fernando Moraes Alves para um almoço com pessoas “que poderiam lhe ajudar com as renovações dos seus contratos”, entre eles o empresário Adenor Gonçalves, diz ainda o MP, com base no relato de João Carlos Gonçalves Regado, presidente do grupo Assim.

Aliado de Bolsonaro

Crivella foi apoiado por Bolsonaro em sua tentativa de reeleição para prefeito. O presidente chegou a gravar um vídeo de campanha ao lado do correligionário.

“A esquerda tenta, a todo custo, voltar de todas as maneiras”, dizia a propaganda.

“Quem tem essa tendência de pintar de vermelho. Essa ideologia nefasta que não deu certo em lugar nenhum do mundo. É mais um motivo para eu pedir ao eleitor: vote no Crivella 10 para prefeito do Rio de Janeiro”, dizia Bolsonaro no vídeo.

Crivella então respondia: “O presidente da República do Brasil me chama ao dever, me dá uma missão, e eu vou cumprir, presidente.”

Conforme a jornalista Andréia Sadi, da GloboNews e do portal G1, pessoas próximas ao governo agora temem que a prisão de Crivella seja associada a Bolsonaro.

“Fontes afirmam que, por um erro de estratégia do presidente na campanha, o Planalto deu de ‘bandeja’ à oposição a possibilidade de exploração da prisão de Crivella — e vão colar o episódio à imagem do governo federal”, escreve.

‘Perseguição política’ e ‘injustiça’

“Isso é uma perseguição política. Lutei contra todas as empreiteiras, tirei recursos do pedágio, do carnaval, e isso é perseguição. Quero que se faça justiça”, disse Crivella após sua prisão, segundo o jornal O Globo.

O advogado de Crivella, Alberto Sampaio, considerou a prisão uma “injustiça” e disse que vai solicitar a revogação da prisão preventiva, conforme o mesmo jornal.

A defesa do ex-senador Eduardo Lopes informou que o político está morando em Belém, no Pará, onde deve se apresentar à polícia.

As defesas dos outros denunciados ainda não haviam se pronunciado.

 

De: BBC Brasil, foto: reprodução