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Ministro João Carlos Parkinson fala sobre a importância do corredor rodoviário bioceânico para o MS

Na atualidade, o transporte de carga entre o Brasil e seus principais parceiros comerciais da América do Sul é amplamente dominado pelo modal marítimo, sendo secundado pelo rodoviário e, por último, pelo hidroviário. No plano doméstico, a dependência externa do transporte marítimo se transfere para o modal rodoviário, que há anos domina a matriz nacional de transporte (63%). A despeito dos recorrentes esforços governamentais, ainda são tímidas as participações dos modais ferroviário (21%) e hidroviário (13%) no movimento de carga dentro do país.

Como resultado, o produtor e o operador comercial brasileiros, quando desejam explorar o mercado externo ,são obrigados a produzir, transportar e ainda superar os custos portuários e tributários para manter-se competitivo. O produtor nacional enfrenta, em grande medida, longos trechos rodoviários e, ante a baixa integração digital, onerosas esperas nos terminais marítimos para poder embarcar sua carga. Com isso, perde-se grande parte da vantagem tarifária assegurada pelos acordos comerciais bilaterais e multilaterais.

Nos últimos anos, como o ritmo de crescimento da produção agrícola brasileira tem sido superior à expansão da capacidade portuária nacional, aumentou a pressão para a abertura de terminais portuários privados e a melhoria da acessibilidade aos portos brasileiros. Sem dúvida, alguns importantes avanços foram realizados, mas o escoamento da produção ainda onera sobremaneira o produtor nacional. No setor de grãos, alternativas estão sendo construídas para desconcentrar a movimentação da carga dos portos de Santos e Paranaguá e reduzir os elevados custos logísticos nacionais. Os produtores de grãos localizados acima do Paralelo 16empenharam-se em colocar em prática soluções multimodais (rodovia-hidrovia), de modo a facilitar o acesso de sua produção aos portos de Belém, São Luís, Barcarena, Itacoatiara, entre outros.

No entanto, os estados localizados abaixo dessa latitude-distantes do norte do Brasil – não têm alternativa senão manter a logística até então praticada, ou seja, seguir escoando sua produção através dos portos de Santos e Paranaguá. Essa situação penaliza sobremaneira os estados de Mato Grosso do Sul e Goiás, que não contam com uma saída para o Atlântico. Por conseguinte, se veem obrigados a explorar a hidrovia Paraguai-Paraná e, alternativamente, a buscar uma saída para o Pacífico. É nesse contexto que deve ser visto o projeto do Corredor Rodoviário Bioceânico. Trata-se de um esforço coordenado do Itamaraty, do Ministério de Infraestrutura, do Governador Reinaldo Azambuja e das lideranças do estado, como o Senador Nelson Trad Filho, que somaram forças para tornar realidade a ligação de Porto Murtinho aos portos do Norte do Chile, passando pela região paraguaia do Chaco e as cidades de Salta e Jujuy, na Argentina.

Corredor Rodoviário Bioceânico

No Chile, o modal marítimo movimenta 68,9% da carga e o rodoviário 29,7% de todas as mercadorias destinadas ao Brasil. Como o movimento por mar está condicionado às frequências oferecidas pelas companhias marítimas internacionais, o importador brasileiro é, atualmente, um “cost-taker”, isto é, fica sujeito à disponibilidade de embarcações/tipo e ao custo do frete da ocasião para o embarque de sua mercadoria. Não dispõe de margem de manobra. Quando a carga chilena é movimentada por terra (Santiago-São Paulo), a situação se torna igualmente desfavorável, pois a mercadoria ingressa majoritariamente no Brasil por São Borja ou Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, o que impede que chegue a um preço competitivo no Centro-Oeste, Nordeste ou Norte do país. Quando a mercadoria chilena ingressa por São Borja ou Uruguaiana, fica ela obrigada a percorrer 4.516km para chegar a Campo Grande. É, portanto, procedente a crítica de que os esforços de integração regional não beneficiaram os estados localizados mais distantes de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, devido às longas distâncias a serem percorridas e aos elevados custos de transporte e logística. Esse quadro se reproduz no tocante aos produtos procedentes da Argentina. No caso do Paraguai, o ingresso por Foz do Iguaçu ameniza o problema, mas não o elimina.

Diante desse cenário, não serão, portanto, cortes tarifários ou mesmo a eliminação de medidas não-tarifárias que criarão as condições necessárias para que produtos chilenos, argentinos ou paraguaios cheguem e sejam comercializados a preços competitivos, por exemplo, em Palmas (TO) ou Sorriso (MT). Essas cidades, não obstante o crescente poder aquisitivo gerado pelo agronegócio, encontram-se distantes dos pontos de ingresso da mercadoria em território nacional. Na realidade, a situação atual e a ausência de alternativa viável induzem à  intermediação e à realização de investimentos nos estados de passagem da mercadoria, provocando a cobrança de tributos em cascata e desestimulando o empresário do Centro-Oeste a desenvolver uma logística mais compatível com sua localização geográfica e empreender atividades de comércio exterior.

Com a implantação do Corredor Rodoviário Bioceânico, almeja-se oferecer aos operadores comerciais de Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins uma alternativa logística à passagem pelo Canal do Panamá e ao ingresso rodoviário pelo sul do país. A mercadoria exportada por terra, via corredor, sairia pelos portos do Chile. Em sentido inverso, ingressaria diretamente no Brasil pelo Centro-Oeste, percorrendo no total 1.966 km, distância entre Antofagasta e Porto Murtinho. Evitam-se, assim, a passagem pelo Canal do Panamá, a concentração de carga nos portos de Santos e Paranaguá e a cobrança dos elevados custos da intermediação.

O corredor, ao evitar  o Canal do Panamá, economiza US$ 450.000, valor que as autoridades panamenhas cobram regularmente para que uma embarcação de 5.000 TEUS possa usar as eclusas. Ademais, reduz-se o tempo de trânsito em 12 dias. Uma exportação de carne de Campo Grande para Santiago, quando transportada por terra, tem, hoje, um custo médio de transporte de US$ 229/t. Por ser escoada por São Borja, a carga é obrigada a percorrer 4.274 km. Graças ao corredor, o custo médio cairá para US$ 174/t e o tempo de trânsito e o trecho rodoviário serão muito menores.

Com efeito, o produtor e exportador do Centro-Oeste serão beneficiados com a implantação do Corredor Bioceânico. Ao encurtar distâncias, reduzem-se automaticamente custos e tempos, o que é fundamental para a comercialização de produtos perecíveis e o desenvolvimento das cadeias de abastecimento. Dessa forma, criam-se condições de gerar novos fluxos de comércio e atrair mais investimentos para a região; estimula-se a internacionalização das PMEs locais e a capacitação da mão de obra jovem; incentiva-se a formação de parcerias produtivas regionais e a importação de insumos mais baratos, induzindo à formação de cadeias regionais de valor e à ampliação da base industrial. Um dado que assinala essa tendência: o custo de transporte de bens manufaturados de Singapura para Campo Grande ficará 22% mais barato do que o praticado atualmente (US$ 602/t via Canal do Panamá contra apenas US$ 467/t, quando a carga vier por Antofagasta e a rodoviabioceânica).

Ademais, o Corredor vai também permitir a integração de territórios que atualmente se encontram um tanto afastados, estimulando uma interação muito mais frequente e profunda entre os atores públicos e privados dos quatro países. O empresário de Mato Grosso do Sul , por exemplo, se sentirá estimulado a construir parcerias com empresas argentinas, chilenas e paraguaias e passará a desenvolver diretamente seus negócios e não por intermediários, como nos dias de hoje.  Os agentes públicos estarão empenhados na construção de ampla rede de acordos e convênios, por exemplo, para a criação de um eixo energético entre Antofagasta (energia eólica), norte da Argentina (energia solar), Paraguai (energia elétrica) e Mato Grosso do Sul.

O impacto nas relações comerciais regionais será expressivo. Segundo estudo da Empresa de Planejamento e Logística (EPL),se um empresário local decidir importar diretamente trigo da Argentina (Tucumán) e destiná-lo à cidade de Palmas (TO),caso opte por utilizar a rota do Corredor, obterá uma redução de custos logísticos da ordem de 20%. Como esse percentual não contempla a incidência tributária decorrente da utilização das rotas tradicionais (ingresso por São Borja e Uruguaiana) nem leva em conta a margem cobrada pelos intermediários, a redução total de custo tende a ser ainda mais expressiva do que a sugerida pela EPL.

O Corredor Rodoviário Bioceânico, ao criar vantagens comparativas, induzirá  à criação de “tradings” no Estado de Mato Grosso do Sul e à realização de investimentos em armazéns, silos, pátios de estacionamento, centros de distribuição de carga, portos secos e polos de integração logística, elementos facilitadores da redução de custos e das distâncias entre o local de produção e o de consumo. Com o Corredor e os investimentos resultantes, o Estado de Mato Grosso do Sul poderá se transformar num centro de distribuição de carga nacional e regional, tornando o terminal multimodal de Campo Grande um relevante “hub” logístico do Pais. Com essas mudanças, a diversificação das parcerias e o aumento dos fluxos comerciais contribuirão para ampliar o leque de oportunidades ,atualmente concentradas na China, responsável por 40% das exportações de Mato Grosso do Sul (as recentes dificuldades do Brasil para importar os tão necessitados respiradores para a luta contra o covid-19 demonstram a vulnerabilida degerada por concentrações elevadas).

Esse cenário não está muito distante e os empresários do Centro Oeste precisam preparar-se desde agora para as mudanças que virão. Uma atitude passiva oua simples espera das transformações pode representar perda de oportunidades para outros grupos empresariais, nacionais e estrangeiros.

Atualmente, as economias argentina, paraguaia e chilena, assim como a brasileira, enfrentam forte queda dos investimentos e expressiva contração de seus fluxos de comércio. No entanto, valeria ressaltar que, mesmo quando o Corredor Rodoviário Bioceânico não estiver plenamente operacional -oque deve  ocorrer em três anos -, a passagem por Ponta Porã(MS) já asseguraria aos produtores ganhos reais de competitividade. Com efeito, o custo de transporte de uma tonelada de carga de Campo Grande para Antofagasta (Chile) via Uruguaiana é de US$ 280. Por Ponta Porã, esse custo se contrai para US$ 179 a tonelada.

Ao evitar longo trajetos  e a passagem por São Borja ou Uruguaiana, o produtor obtém expressiva redução de custos. Hoje, uma carga que viesse ingressar por Uruguaiana e se dirigir a Sorriso teria um custo de transporte de US$ 1.359,00/t. Se a mesma mercadoria ingressasse por Ponta Porã, o custo se reduziria a US$ 986,93/t. Logo, na perspectiva dos produtores argentinos, paraguaios e chilenos, nossos parceiros passariam a ter acesso a mercados do Centro Oeste e Norte do Brasil, ainda pouco explorados .Cidades como Palmas, Sorriso e Sinop não foram, até hoje, beneficiadas com oferta ampla e diversificada de produtos do MERCOSUL. A mesma lógica também se aplica às exportações brasileiras quando destinadas ao norte da Argentina e Chile ou à região do Chaco  paraguaio, onde a presença de produtos brasileiros é ainda incipiente. Torna-se, portanto, urgente melhorar a aduana de Ponta Porã, de modo a facilitar o trânsito de volume de comércio muito mais expressivo.

Graças ao Corredor Rodoviário Bioceânico, o produtor nacional terá também acesso em condições mais competitivas aos mercados da China, Índia e Sudeste Asiático. Poderá, portando, exportar ou importar produtos ou insumos a preços mais baratos, o que pode se revelar transformador, na medida em que estimulará a agregação local de valor e o desenvolvimento de uma base industrial em Mato Grosso do Sul, Goiás e Tocantins, áreas produtoras basicamente de commodities. Com o Corredor, os operadores comerciais do Centro-Oeste poderão importar partes ou componentes eletrônicos da Índia com uma redução média de custos da ordem de 23%, montar um produto acabado e comercializá-lo localmente ou nas cidades dentro da área de influencia do Corredor. Será, também, possível exportar um contêiner de óleo de soja com uma vantagem de custo de 18% por simplesmente ter evitado o Canal do Panamá, utilizado o transporte terrestre e escoado o produto pelo porto de Antofagasta.

Ao aprimorar a logística regional, o Corredor também incentivará o uso da multimodalidade, à medida que a hidrovia Paraguai-Paraná se encontra em sua área de influencia. Por sua vez, a perspectiva de grande volume de carga subindo e descendo o rio estimula a construção de novos portos fluviais (Porto Murtinho  é um bom exemplo)e, futuramente, de ferrovias (projeto Ferro Guarani e a reabilitação do trecho Ponta Porã-Indubrasil), que irão levar e recolher carga. O Governo paraguaio está estudando a construção de um trecho ferroviário que conectará a cidade de Ponta Porã ao porto de Concepción. Esta obra, uma vez concluída, estimularia a reabilitação dos 303 km do ramal Ponta Porã – Indubrasil, hoje abandonados.

Como resultado dessas iniciativas, a realidade socioeconômica do oeste de Mato Grosso do Sul, marcada até pouco tempo por prolongada estagnação, deverá gradualmente se modificar. A cidade de Porto Murtinho está recebendo investimentos privados da ordem de R$750 milhões, destinados à construção de quatro terminais fluviais. A empresa FV CEREAIS, de Dourados, exportará proximamente 2 milhões de toneladas de grãos por seu porto. Centros de distribuição de cargas devem se instalar em Ponta Porã. E armazéns serão construídos em Jardim e Dourados. O que se vê, hoje, no Município de Porto Murtinho é que a atividade econômica, até então dominada pela pecuária, está sendo progressivamente diversificada com o avanço da cultura da soja. Reativa-se, desse modo, o interesse econômico pelas regiões de fronteira de Mato Grosso do Sul e geram-se empregos de qualidade, a forma mais eficiente de combater o contrabando e outros ilícitos.

Com o Corredor Rodoviário Bioceânico a população de Mato Grosso do Sul verá o desenvolvimento de eixos cada vez mais dinâmicos entre os territórios integrantes da rota bioceânica. Esses territórios, até recentemente isolados ou, pelo menos, voltados de costas um para o outro, estarão mais interligados. Mato Grosso do Sul interage ainda muito superficialmente com o Chaco paraguaio; e as cidades argentinas de Salta e Jujuyse beneficiam pouco da proximidade dos portos do norte do Chile ou dos recursos naturais de Mato Grosso do Sul e de seu mercado. Assim, a infraestrutura gerada pelo Corredor ampliará e aprofundará o processo de integração regional, evidenciando a complementaridade comercial dos territórios, ainda pouco explorada. Deixamos de importar sal de Salta, distante pouco mais de 1.026 km de Porto Murtinho, para trazer o produto de Mossoró, no Rio Grande do Norte, localizado a mais de 3.702 km de Campo Grande. Graças ao Corredor Rodoviário Bioceânico se multiplicarão os projetos de integração produtiva MS-Paraguai, além de parcerias entre empresas brasileiras-chilenas (comércio de pescado e derivados, por exemplo) e brasileiras-argentinas (transporte e energia).

A melhoria da infraestrutura regional incentivará o turismo e a criação de novas empresas, revertendo uma situação até então desfavorável. Na atualidade, existem poucas “trading companies” registradas em Campo Grande. As empresas que operam em Mato Grosso do Sul em atividades de comércio exterior são, em sua maioria, originárias do Sudeste e Sul do país. Espera-se que o corredor e as iniciativas anunciadas despertem o interesse das pequenas e médias empresas pelo comércio exterior. Esse ambiente dará alento ao jovem talentoso para que fique no Centro-Oeste e deixe de migrar para o Sudeste e Sul em busca de melhores oportunidades de trabalho.

A pandemia do Covid-19 intensificou a digitalização da economia ao ampliar e aprofundar o comércio eletrônico e o serviço de delivery. Pode-se constatar, porém, que a brecha digital no Pais ainda é ampla e preocupante. Contudo, ela é ainda maior no plano regional. Para que o Corredor possa proporcionar aos usuários todos os benefícios esperados, faz-se necessário promover a integração digital aduaneira, evitando-se longas filas e paradas nas fronteiras.  Estima-se em R$ 3.373 reais o custo de um caminhão parado 72 horas na fronteira à espera da autorização para cruzar a aduana. Com o avanço da digitalização, os empresários deverão otimizar as rotas de escoamento da produção, melhorar o serviço de entrega na última milha, otimizar a capacidade dos armazéns, monitorar o movimento da carga desde o centro de produção até o porto e evitar e violação de contêineres.

Em suma,  com a redução dos custos logísticos e tempos de viagem, Mato Grosso do Sul deve deixar de ser o destino final e passar a intermediar as operações comerciais, uma vez que se tornará um “hub”l ogístico nacional. O acesso facilitado de produtos asiáticos ao Centro-Oeste possibilitará o fomento de uma base industrial e a inserção nas cadeias globais de valor. O Corredor irá, além disso, promover a formação de parcerias com produtores argentinos, paraguaios e chilenos. Forçará o empresário sul-mato-grossense a engajar-se nas práticas do comércio exterior, a desenvolver a melhor logística para seu produto e a conhecer  seu entorno geográfico. Os agentes públicos serão estimulados a criar uma rede de acordos e convênios que favoreçam o intercâmbio comercial e o turismo. E os empresários deverão aprofundar seu conhecimento do mercado internacional e familiarizar-se com as práticas comerciais asiáticas. Portanto, o Corredor não só promoverá ampla mudança econômico-comercial, mas também terá forte impacto cultural, social e político no estado.

Saiba mais: https://youtu.be/H6giIKOryY0

João Carlos Parkinson de Castro – Coordenador Nacional do Corredor Rodoviário Bioceânico – Ministro da carreira diplomática