Com um bom e velho sertanejo romântico ecoando a partir do porta-malas do carro, aberto, Gabriel dos Santos, com seus 19 anos, leva a vida como coletor de recicláveis. Acostumado ao trabalho da madrugada, quase passa despercebido o quão importante é sua atividade. Ao fim de show, começa o serviço, que ainda vai noite à dentro, até o amanhecer. Pode não parecer, mas o trabalho de Gabriel é essencial para que a sustentabilidade seja efetiva, na prática.
Os recicláveis coletados praticamente somaram uma tonelada – incluem-se aí 968,29 quilogramas de papel, plástico, vidro e lata – durante os cinco dias de Festival de Inverno de Bonito 2023. Já a coleta de materiais orgânicos somou 32 kg, enquanto o óleo usado totalizou 132 kg, ou seja 3 milhões e 200 mil litros de água foram preservados.
As mãos de Gabriel foram duas de muitas que fizeram tais números serem alcançados. O lixo vale dinheiro, coletá-lo gera renda e preserva o meio ambiente. “Normalmente fazemos a coleta no aterro e levamos para a empresa, onde prensamos o material e fazemos os fardos levados para Campo Grande”, explica o coletor sobre o seu dia a dia de trabalho.
“Já estou acostumado a trabalhar de madrugada, levanto 3h e vou até 11h. Volto às 13h e só paro 18h. Com o festival entrei mais cedo, logo após os shows. É uma oportunidade que facilita o nosso trabalho. A gente ajuda o festival e o festival ajuda a gente. É geração de renda”, destaca Gabriel, que largou o desejo de ser jogador de futebol para ser coletor junto a mãe e aproximadamente mais 10 pessoas vinculadas a uma pequena empresa local, de sua família.
Tal empresa foi uma das colaboradoras do festival, que teve em seu cerne a sustentabilidade – desde estruturas inteiras feitas de bambu, substituindo metais e plásticos, até detalhes de decoração dos palcos e outros espaços. A parceria aconteceu através do trabalho da gestora das ações referentes a coleta e destinação do lixo descartado na área do festival.
“Quando você dá ferramentas para a população, ela abraça”, frisa a gestora Ana Franzoloso, que com a Du Bem estimula mais que preservar: ela mostra que o empreendedorismo sustentável é viável e que é importante desenvolver ações nessa linha no trabalho, em casa e no lazer.
Apenas na Praça da Liberdade, coração do festival, foram 35 grandes recipientes espalhados por diversos pontos. Outros seis ficaram no CMU (Centro de Múltiplo Uso) e, por fim, quatro no Palco das Águas, onde os principais shows aconteceram entre quarta-feira (23) e domingo (27). Houve ainda um biodigestor instalado na Praça da Liberdade.
“Tendo essas ferramentas disponíveis as pessoas fazem o descarte correto. Quando elas não tem, jogam em qualquer lugar”, explica Ana ao falar do trabalho que passa pela conscientização, coleta, separação, preparação, prensa, transporte e destinação dos materiais, que muitas vezes se trata da comercialização para reciclagem ou transformação em novos itens.
Aprovação do público
Quem visitou Bonito na semana passada além de aproveitar o Festival de Inverno pode percebeu claramente os efeitos das ações de sustentabilidade, partindo desde a organização até de expositores que ali estavam – um desses exemplos foi a área erguida pelos Pirilampos do Planeta, um trabalho envolve quase 100 catadores no Rio de Janeiro (RJ).
“O Festival está lindo e gostei de tudo que vi até agora. Tenho que destacar para você também a limpeza. Olha, passei agora a pouco aqui ao lado e vi eles limpando tudo. Está uma beleza, tudo bem conservado”, comenta a professora aposentada e advogada Rejane Sichinel. “Temos que fazer essas ações de sustentabilidade, coletando e destinando corretamente o lixo, pois só assim vamos conseguir preservar o meio ambiente, ainda mais em Bonito”, finaliza.
Adriane Gomes também elogiou o trabalho sustentável feito no Festival. “Logo que acabou o show, vi uma equipe fazendo a coleta dos resíduos. Não teve tanta coisa jogada no chão como em outros tempos, mas muitas lixeiras espalhadas. Isso é bom”, diz a campo-grandense.
Ana Franzoloso explica que cerca de 25 pessoas estiveram envolvidos em todos os processos do trabalho, desde a estratégia traçada por sua empresa até os catadores parceiros – houve ainda catadores conhecidos na região, informais, que aproveitaram o momento para angariar uma renda extra. A presença de pessoas da região nesse processo de coleta foi pensada por Ana justamente para fazer a roda girar localmente, ao invés de “importar” soluções.
“A limpeza convencional quem faz é a prefeitura, mas essa de recicláveis é conosco. Pode perceber que procuramos evitar nesse festival o vidro, sendo mais vendido produtos de latinha. Isso acontece pois o vidro hoje é um grande problema do meio ambiente, não tem tanta reciclagem, enquanto a latinha já fecha um ciclo completo, tem um amplo mercado. Então o vidro atualmente corresponde a cerca de 10% do material apenas”, explica.
Todo o trabalho se concentrou na Praça da Liberdade, CMU (Centro de Multiplo Uso) e no Palco das Águas, onde as atrações principais se apresentaram diariamente. Na praça, a tenda Bonito é Reciclar e Preservar foi mantida pela Du Bem, com ações mostrando como funciona toda a logística reversa, o descarte e transformação dos produtos.
“Tem material que é transformado em sacos de lixo, outra parte é transformada em mangueiras para atender indústrias de Mato Grosso do Sul. Fora isso, mostramos como é feito o aproveitamento de peças, que há uso também de tecidos novos que sobram. Temos um pouco de arte, cultura e educação. E também o biodigestor que gera gás de cozinha a partir de restos de comida, cascas, virando compostagem”, conclui Franzoloso.