Nos últimos dias, o mundo inteiro pôde conferir o protagonismo feminino nas competições esportivas das Olimpíadas de Tóquio, no Japão. No skate, nas quadras, na água, nos tatames, em todos os lugares. Pois não é apenas no esporte que as mulheres estão se sobressaindo. Aqui em Campo Grande, elas também ocupam espaços antes dominados pelos homens, como na construção civil e projetos de infraestrutura como o Reviva Campo Grande.
Unhas pintadas, batom, cabelos hidratados e… botina. E só porque salto alto não combina com obra, pelo menos quando se fala em calçados. Quem percorre as intervenções no centro da cidade já percebeu que a mulherada está com a corda toda. Nas frentes de serviço, nos cargos de chefia, na lida diária “batendo” cimento, por onde se olha, lá estão elas.
Desde o início do projeto, há mais de 10 anos, quem está no comando da operação é a economista Catiana Sabadin, coordenadora do Reviva. Aos poucos, ela soube conquistar seu lugar como líder e administra uma equipe deconsultores formada por uma maioria feminina. São arquitetas, engenheiras, administradora, economista, jornalista, além de estagiárias. Todas sob o comando dela. “Já me vi em muitos locais, em muitas reuniões, em que era a única mulher. Isso me incomodava por eu ver que não temos a mesma representatividade. Nunca sofri preconceito por ser mulher, mas percebo que são poucas as mulheres que assumem cargos de chefia, de liderança, ou que transitam especialmente nesse meio mais político, principalmente em Brasília e mesmo com os bancos, onde percebo um mundo predominantemente masculino”, afirma.
Com experiência e bagagem adquirida ao longo dos anos, Catiana avalia que as mulheres, de uma forma geral, são muito comprometidas e preocupadas. “Não falo de competência, porque acredito que tanto homem como mulher consegue desempenhar os mesmos papéis. Várias delas têm filhos, família, precisam ajudar nos proventos, e esse também é o motivo delas precisarem trabalhar e se dedicarem com um pouco mais de afinco. Inclusive aqui temos mais mulheres em cargos historicamente ocupados por homens, como arquitetas e engenheiras, e que transitam nas obras e cumprem muito bem o papel que têm que cumprir”.
Entre elas, estão as engenheiras civis Joice Iahn e Vitória Barem, ambas recém-formadas, mas que mostraram profissionalismo e competência ainda quando eram estagiárias no Reviva Campo Grande. Com apenas 25 anos, Joice é uma das responsáveis pelas obras que estão mudando a cara do centro da cidade. Filha de um construtor, o “seo” Luiz, ela encontrou na Engenharia Civil a realização que tanto buscava. Natural de Jardim, no interior do Estado, ela iniciou a vida acadêmica no curso de Agronomia, não se adaptou e viu na Engenharia a oportunidade de crescer. E foi o que fez. Como estagiária no Reviva, ela encarou o desafio de ajudar na requalificação da Rua 14 de Julho, em 2018. No mesmo ano se formou. Foi promovida, em 2021, à diretora de execução de projetos e obras da Subsecretaria de Gestão e Projetos Estratégicos (Sugepe).
“No começo senti um pouco de preconceito, mas isso diminuiu. Sempre tive jogo de cintura e soube me impor quando precisava. Com o novo cargo, a responsabilidade triplicou, mas estou feliz em ser reconhecida. Tudo é fruto do meu esforço e é gratificante trabalhar durante a pandemia em uma obra que está mudando a cidade onde moro”, completa.
Vitória fez um ano e meio de Engenharia Ambiental antes de mudar para Engenharia Civil. Hoje ela compõe a equipe socioambiental do Reviva. “Trabalhar em uma obra desse porte e em uma intervenção que é completamente diferente do que a gente assiste na faculdade, me deixa muito feliz, ainda mais em um projeto que vai deixar a cidade muito mais bonita. Sinto orgulho de fazer parte dessa história”.
Espaço conquistado
Embora a presença feminina no canteiro de obras seja bem menor do que a dos homens, elas estão presentes e se fazem notar. Uma delas é Jéssica Milena Rodrigues, de 33 anos, técnica em segurança do trabalho e mãe de três filhos, um de cinco, outro de 12 e o mais velho de 14 anos.
Para ela, não existem profissões de mulheres e de homens, mas, sim, profissões em que se coloca o amor e decide seguir. “Apesar disso, entendo o quão desafiador pode ser estar em um ambiente em que não se vê tantas mulheres. Mas é preciso continuar essa luta por espaços e ideais. Fiquei muito feliz em ter a oportunidade de atuar em um ambiente que nem sempre é para as mulheres aos olhos de muitos. Conquistar o respeito em uma profissão e no lugar onde escolhemos seguir é incrível”, afirma.
Jéssica está no primeiro semestre de Engenharia Ambiental e viu na formação universitária, a chance de crescimento profissional. “Estar na obra me inspirou a entrar na universidade e já penso em continuar com uma pós-graduação”.
Outra mulher que presta um serviço fundamental às obras do microcentro é Carolina da Silva, de 25 anos, servente de pedreiro. Ao mesmo tempo em que comemora o primeiro emprego com carteira assinada e a independência financeira, ela enfrenta muito preconceito para exercer a profissão tão masculinizada pela tradição. “Falam pra mim que não é serviço pra mulher, me olham estranho quando estou suja e de uniforme, mas também tem pessoas que me elogiam por estar fazendo esse tipo de serviço”, conta.
Ela ainda acredita que para normalizar a presença feminina nesse trabalho é preciso que mais mulheres estejam empregadas no ofício, pois, até mesmo no canteiro de obras ela alega que recebe olhares de julgamento por fazer o que faz. “É um orgulho ser servente porque não é qualquer uma que quer trabalhar nisso. É cansativo, mas ganhar seu próprio dinheiro para ajudar nas contas de casa, é satisfatório”, completa.
Carolina pensa em fazer faculdade de Engenharia Civil ou Enfermagem. O que a motiva é estar trabalhando na área e o apoio que recebe da família.
Cuidando da saúde
Leila Vernal Salina, de 45 anos, trabalha como enfermeira nas obras do Reviva. A saúde dos trabalhadores, a maioria homens, está em suas mãos delicadas. Ela trabalhou em 2018 durante a requalificação da 14 de Julho e seu desempenho a fez ser novamente contratada para atender os colaboradores.
Ela acredita que aos poucos as pessoas estão desconstruindo ideias sexistas que separam homens e mulheres e que conversar para normalizar essas situações seja a melhor saída. Inclusive, ela aproveita os momentos de palestras para falar de temas como saúde do homem, Lei Maria da Penha, feminicídio, por exemplo, não ajudando apenas a combater o machismo no canteiro de obras, mas, também fora dele, afinal mulheres merecem respeito estejam onde estiverem.
“No canteiro, a abordagem precisa ser um pouco mais firme que em outras áreas profissionais. Levou algum tempo para eles começarem a me procurar pedindo orientação de saúde, por exemplo, mas hoje falam comigo até sobre saúde masculina”, conta Leila.
“De uma forma geral, uma mulher ocupando comando, é tida como muito boazinha. E às vezes você precisa ser mais enérgica. A mulher precisa provar mais sua competência, isso é indiscutível. Talvez por isso, elas são mais dedicadas, porque, de alguma forma, elas precisam provar um pouco mais”, reforça Catiana Sabadin.
Leila complementa. “Somos muito fortes, sempre superamos as dificuldades e nossos limites, vejo isso como uma luta dolorosa, mas de maneira geral não somos de desistir.”, conclui.