Ciência

As vacinas contra a Covid-19 que são pesquisadas no ICB-USP

De nanovacinas a vacinas de RNA mensageiro, conheça os projetos que estão sendo desenvolvidos no Instituto em busca de uma vacina brasileira.

As vacinas Coronavac e AstraZeneca/Oxford foram aprovadas para uso emergencial no Brasil no final de janeiro, e em fevereiro a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu o registro definitivo à vacina da Pfizer/BioNTech. Considerando a dependência de importação de insumos, cientistas brasileiros continuam na busca por uma vacina 100% nacional contra Covid-19. No Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) há quatro projetos em andamento: de vacinas genéticas (DNA e RNA) a vacinas de subunidades (feitas com fragmentos de proteínas do vírus).

Os trabalhos são fruto de uma parceria entre quatro laboratórios do Instituto: Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas, coordenado pelo professor Luís Carlos de Souza Ferreira, diretor do ICB; Laboratório de Virologia Clínica e Molecular, coordenado por Edison Durigon; Laboratório de Estrutura e Evolução de Proteínas, coordenado pela pesquisadora Cristiane Rodrigues Guzzo; e o Laboratório de Pesquisa Aplicada a Micobactérias, coordenado por Ana Marcia de Sá Guimarães.

Vacinas de subunidade

Nanovacinas – Em um estudo apoiado pela FAPESP, a equipe de Luís Carlos Ferreira busca desenvolver uma vacina de nanopartículas formadas por proteínas auto-estruturadas. “Modificamos geneticamente as proteínas do vírus SARS-CoV-2 para que se comportem como nanopartículas, que mimetizam características de tamanho e comportamento da partícula viral, o que pode favorecer a produção de anticorpos que neutralizam o vírus e a imunidade celular”, diz Ferreira. A responsável por esse estudo é a pós-doutoranda Marianna Favaro.

Inicialmente, a equipe usou bactérias E. coli para expressar as proteínas e, no final de 2020, passou a expressá-las em células humanas, de maneira a aumentar a produção de anticorpos neutralizantes. Os ensaios estão sendo feitos em animais e a pesquisa experimental deverá ser concluída até o final de 2021.

Proteínas recombinantes – A pesquisadora Cristiane Guzzo é responsável pela produção e purificação das proteínas do coronavírus, que podem ser utilizadas tanto como candidatos vacinais como para o desenvolvimento de testes de diagnóstico. O grupo já produziu diversos fragmentos das proteínas spike e do nucleocapsídeo, por exemplo, e segue produzindo outras proteínas do vírus para verificar qual pode oferecer maior proteção contra a doença.

“Nós recebemos amostras de DNA do vírus do professor Edison Durigon, que nos fornece a sequência genética já processada. Então, selecionamos os fragmentos de interesse, clonamos as proteínas e as expressamos em bactérias E. coli. Depois, purificamos utilizando cromatografia”, explica Guzzo. Em colaboração com a professora Ana Marcia Guimarães, que desenvolveu um modelo animal suscetível à infecção por SARS-CoV-2, o grupo irá testar se as proteínas induzem resposta imune. Ambos os estudos são financiados pela FAPESP.

Como o camundongo tradicional é resistente à infecção pelo coronavírus, Guimarães desenvolveu um modelo de hamster para mimetizar a Covid-19 observada em pacientes. Esse modelo servirá não apenas para testes pré-clínicos de vacinas, mas também para testar a eficácia de medicamentos contra a doença. Todo esse trabalho é desenvolvido em um Laboratório de Nível de Biossegurança 3.

Vacinas genéticas

Além das nanovacinas, o laboratório de Luís Carlos Ferreira tem se dedicado ao desenvolvimento de vacinas de DNA e RNA mensageiro, em projeto financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. “Usamos uma estratégia diferente de outras vacinas. Em vez de focar na produção de anticorpos pelos linfócitos B, nossa tecnologia é direcionada para a ativação dos linfócitos T com atividade citotóxica. São células que, uma vez programadas pelo sistema imune, reconhecem e destroem as células infectadas pelo vírus”.

Segundo o professor, essas vacinas foram desenhadas para conter fragmentos da sequência genética do coronavírus que ativam linfócitos T. Os resultados em camundongos foram promissores e devem ser publicados até o meio do ano. Os pesquisadores utilizaram, até o momento, vacinas de DNA que codificam para peptídeos do vírus e agora pretendem aplicar o mesmo método em vacinas baseadas em RNA mensageiro. “Nosso maior objetivo é dominar tecnologias, estabelecer provas de conceito e novas estratégias vacinais capazes de funcionar contra esse vírus e outros patógenos que gerem ameaça para nossa saúde”, destaca.

Desafios

Apesar de o Brasil ser exemplo mundial na campanha de vacinação, não existe uma tradição de desenvolvimento de vacinas e produção em escala industrial. De acordo com o professor Luís Carlos Ferreira, a grande maioria das vacinas produzidas por instituições como Fiocruz e Instituto Butantan é fruto de acordos de transferência tecnológica que, além dos custos elevados, limita a autonomia do país em fazer inovação e definir estratégias de comercialização. “A pandemia tornou clara a necessidade do Brasil de desenvolver tecnologias próprias e gerar os insumos básicos, de maneira a não nos limitarmos a envasar as vacinas que já chegam prontas ou semiacabadas, mas também desenvolvê-las em território nacional”.

Segundo o pesquisador, essa autonomia começa com a pesquisa básica – como os projetos em andamento no ICB, por exemplo -, pedidos de patente e a transferência do conhecimento produzido na universidade para uma empresa, que produziria a vacina em escala industrial, de acordo com boas práticas de laboratório e fabricação. Em seguida, são feitos testes pré-clínicos de segurança, em animais, para monitorar efeitos tóxicos. Após essa etapa, iniciam-se os testes clínicos, divididos em fases 1, 2 e 3.

No entanto, esse caminho é dificultado por uma série de fatores. O Brasil carece de instituições credenciadas para realizar testes pré-clínicos e de biotérios com modelos animais já estabelecidos. Além disso, falta uma comunicação eficaz entre universidades, hospitais e empresas para a realização de testes clínicos, sobretudo os de fase 1 e 2, que ocorrem apenas em locais onde é feito o desenvolvimento inicial das vacinas. “Essa interação depende de uma estratégia de governo, para que os estudos brasileiros de vacinas possam de fato avançar”, afirma a pesquisadora Cristiane Guzzo.

Para Ana Marcia Guimarães, outra questão importante é a escassez de laboratórios de nível de biossegurança 3 e equipes capacitadas para trabalhar nesse ambiente, necessário para estudos com coronavírus e outros vírus potencialmente pandêmicos. “O ICB possui dois laboratórios deste nível e tem possibilitado o treinamento de muitos profissionais para atuar nestes locais de biocontenção”.

“Nós temos uma base científica muito boa, mas ela precisa estar integrada com outros setores da sociedade que farão com que as demais etapas possam ocorrer no Brasil. O cientista sozinho não faz isso; precisamos de parcerias”, completa Luís Carlos Ferreira.